sábado, 23 de novembro de 2013

O Que Falta Em Mim

Quando falta uma perna, complica-se o caminhar. Mas para isso existem as muletas, as bengalas, as próteses de última geração. Dificulta, mas não impossibilita. Limita e muito, mas não impede, por assim dizer, um possível passeio qualquer.

Quando falta um braço, complica-se o abraço. E aí é difícil. Como não poder entrelaçar-se com outro par de braços? A coisa tende pro lado do absurdo. Não, não deve ser fácil conviver com tal deficiência. Mas para isso existem os outros braços, que num lapso de amor infinito,  abraçam de qualquer maneira e fazem parecer nula a falta do membro em questão.

Quando a falta é fruto de uma dúvida "falta de quê?", complica-se o raciocínio lógico. Óbvio. Um buraco imenso, perdido em algum lugar do peito. Isso não é coisa boa. Não dá para jogar duas pás de areia e achar que tudo está devidamente preenchido. O vazio do peito é estranho. Sensação de perda sem perder, de não ter, mesmo que se tenha. O vazio no peito é um grande filho da puta, um grande inconseqüente.

E como resolver? O quê fazer? Como proceder? Talvez o vazio do peito seja apenas a falta de algo maravilhoso em mim. Nesse caso, você.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Estudo Repentino dos Estímulos (Inspirações) e Suas Possíveis (e Impossíveis) Consequências Para Um Projeto de Escritor em Crise Existencial

de onde vem? - Compreendendo o Incompreensível  - Primeira Parte

Aqui estou eu, novamente, prestes a escrever outro punhado de palavras aleatórias, pensando na possível dramaticidade das mesmas e nas questões que poderei - ou não - ensejar a quem vier a ler este mais que provável – além de estudo - desabafo noturno.

Creio que, ao menos uma vez na vida, todos já se depararam com o fator inspiração e suas inexatas proveniências. Afinal, de onde vem a chama? De onde surge tudo o que é criado? Será que todo ser criativo é somente criativo, ou será que todo ser criativo, além da alcunha, é abastecido de alguma fonte inesgotável e misteriosa, de ideias e devaneios irretocáveis? Não pode ser só o cigarro, o uísque e as noites mal dormidas!

Venho levantando, desde o último escrito publicado, algumas hipóteses que embasem, de alguma forma, a existência de uma força criativa superiora. Sim, eu acredito cada vez mais no poder das musas e em toda a sua influência no processo inventivo de quem parte do zero e tinge de cor a uma tela em branco.

Uma pessoa? Uma sensação? Um legado para as gerações futuras? Livre expressão? Ou apenas o desejo relativo ao reconhecimento? O que desencadeia as ações que levam alguém a criar algo? São inúmeras as questões, pontos e mais pontos de interrogação, espalhados ao redor de cada milímetro desenvolvido. Não me canso de buscar sentido para tudo o que agora escrevo, tendo em vista o fato de que, como disse anteriormente, tal escrito não passa de um punhado de palavras aleatórias.  

Minha investigação percorre todas as linhas lidas em jornais, livros, revistas e publicações virtuais. Porém, por mais inesperado que possa ser o que direi em sequência, me perturba a possibilidade de perder tempo buscando retorno em vias históricas. Percebam, talvez tais necessidades não sejam simplesmente compreensíveis, enquanto baseadas em relatos dos mais diversos e, o mais importante, já escritos. Minhas indagações tendem para aquilo que ainda não fora concebido. Talvez as tantas respostas que procuro residam em lapsos de futuras ações, perspectivas, e isso é para mim, um sinal muito claro de que, independente do quanto eu me force a entender mais e mais cada fagulha de criatividade, jamais será possível definir sua origem, detalhar sua fonte e, por mais óbvia que pareça, por mais interligada ao tema sugerido, nunca será possível traçar um paralelo e enfim, descortinar qualquer sentido.

Penduro na conta do amor, na conta das cinzas de cigarro acumuladas. Penduro na conta das noites em claro, na conta dos copos vazios. Sempre surge uma boa desculpa para um texto qualquer, uma boa dose de porquês e poréns para satisfazer as dúvidas alheias. 

O que me incomoda é não ter absoluta certeza, de que tudo isso só é possível graças à minha cabeça. Será que meus neurônios são tão sensíveis e poéticos assim? Não, não são. Nada é em vão, nem beira a beira do acaso. Se escrevo, acredito, que escrevo para alguém, mesmo que esse alguém não saiba da existência de meus versos e, além, mesmo que esse alguém não faça ideia de quem seja o seu eterno remetente. Escrevo, mesmo que esse alguém, simplesmente não exista.

E aí é que está uma das dúvidas mais frequentes. Como é possível destinar algo a alguém que não faz parte da minha vida? Como posso criar por criar? Como posso, eu, escrever um texto de amor para um coração desconhecido? De aleatórias já bastam as palavras. Não consigo, enfiar na minha cabeça essa ideia de escrita sujeita às incertezas do acaso. Escrita randômica? Como? Se a produção não é feita em larga escala (!?) Não vivo das teclas que bato. Não escrevo por grana. Não desenvolvo meu raciocínio para atender a um briefing ou uma encomenda. Não penso nessas tantas frases como simples forma de cumprimento a uma - indeterminada, para não dizer inexistente - demanda.

Parto sempre de um lampejo. Nem sempre muito claro, mas, às vezes incrivelmente óbvio e completo. Desejo; vontade nua e crua? Escrever, apenas?

e se o caso, dentre o acaso, for... ela? - Pensando Hipoteticamente - Segunda Parte

Era de se esperar que, em algum momento da minha vida, eu iria me deparar com alguma situação em que fosse possível reconhecer os meus estímulos, por assim dizer, em um par de olhos, em um nariz, em uma boca; em um rosto. Daí descende a ideia da musa inspiradora, aquela capaz de afrouxar as sendas que materializam a arte, em sua magnitude.

Não é de hoje que acendo meu cigarro e me ponho a escrever sobre qualquer sentimento. Anos e anos se passaram desde o primeiro verso de amor, desde a primeira centelha poética. Tenho ciência de que, dentre tudo que já escrevi, muito fora escrito sem nenhuma predisposição afetiva, sem nenhum vínculo com algo concreto ou alguém. Daí advém a minha preocupação com os porquês supracitados. São textos e mais textos de paixões jamais vividas, fictícias, como vislumbres de relações inconscientes, déjà-vus consumados em folhas e mais folhas de papel.

Mas, para quem? Não consigo pensar na possibilidade de escrever sequer um verso, somente por sentir vontade de escrevê-lo. E se o caso, dentre o acaso, for ela? E se tudo tiver, realmente, além do eterno remetente, uma destinatária? Para quem escrevo? Para quem dedico tudo aquilo que sinto?

As interrogações - princípio de tudo aquilo que escrevi até aqui - me levam a inúmeros panoramas. Sei que pode parecer um tanto estranho refletir a respeito de tais estímulos como algo físico e palpável, porém, não vejo mal algum em descer ao plano dos meros mortais, a minha fonte inspiração ininterrupta, minha Deusa.

Desde que me conheço por escritor, destino meus textos a mulheres, conhecidas por mim ou não. Há aquelas que compartilharam de um pedacinho de vida em conjunto; aquelas que compartilham; aquelas que foram retratadas à distância e, portanto, desconhecem o conteúdo direcionado às mesmas. E existem também aquelas às quais desconheço, ou aquela, partindo do pressuposto de que há de ser apenas uma.

Engraçado é pensar nisso não como possibilidade, mas como fato. E se a musa fosse real? E se a musa estacionasse o carro, e caminhasse em sua direção? E se a musa sorrisse e você perdess a noção da realidade? E se a musa olhasse fixamente em seus olhos, como se pudesse enxergar sua alma? E se a musa mastigasse um sanduíche sem pressa? Ou se banhasse na chuva de uma manhã qualquer? Qual? Qual seria sua reação? No quê você pensaria? O quê você diria? O que você faria, se a defrontasse, caso - no seu caso - o acaso também fosse musa?

Sim. Ela existe. Mesmo que, para mim, isso tenha sido esclarecido tardiamente. Não que seja tarde, muito pelo contrário, digo que só pude fazer as vezes de agraciado e contemplador de tal assimilação após muito tempo. Sim. Ela existe. E mexe demais com os meus sentidos, muito mais do que faz com meus sentimentos, à flor da pele.

Ela tem olhos tão penetrantes quanto abridores de rolhas de vinhos refinadíssimos. Sua boca imanta a minha, mesmo que em presságio. Nossos lábios jamais desfrutaram um beijo, nossos dias e noites ainda não vieram a ser, o que existe entre nós é um emaranhado de interrogações aos cuidados do destino.

Não que exista alguma certeza quanto a tudo que escrevi - ter sido ou não - escrito para ela. Sei apenas que muito do que pensei viver um dia ao seu lado, de uma forma ou de outra, se tornou crônica, poesia ou qualquer coisa parecida. Seria um erro da minha parte afirmar o contrário; sim, e como não? Já diziam os gregos, em sua mitologia, que uma musa não se contraria. Nenhuma delas, mesmo que para muitos, as mesmas ainda sejam, somente, desconhecidas.

Nietzsche tivera em Salomé a sua figura de musa. John Lennon em Yoko. Dante em Beatriz. Da Vinci em Monalisa e assim por diante, dentre tantas outras. Não procuro comparar, afinal, musas são musas e dentro desse mérito, são únicas e estabelecidas. Divindades em carne, mulheres, capazes de originar, partindo do efeito ocasionado em seus admiradores, criações em esferas diversas, em contextos diversos, para o bem daqueles que, assim como eu, partilham do gosto por algum fragmento artístico.

Não é de se espantar que as palavras aleatórias tenham chegado até aqui. Esse é o efeito ocasionado em mim. Não penso, somente; não sinto, apenas. Transbordo. Talvez seja esse o sentido de tudo o que vivifico em meus escritos. Ela acalma meu peito, me dá caneta e se faz papel. Próxima a todo instante, distante ao mesmo tempo. Ela sabe que existo, sabe que escrevo, sabe que a tenho, em meus pensamentos, assim como a tenho em meu peito. Ela sabe que esse sujeito, a perpetua, toda vez que inicia um punhado de aleatoriedades a seu respeito. É muito óbvio. Óbvio até demais.

Penso na experiência com muito cuidado e carinho. Não é habitual pensar em tais estímulos da forma como venho pensando ultimamente. Carne e osso? Como posso ser capaz de classificar a inspiração dessa maneira? Não sei, não faço a menor ideia. Uma flor não pode ser composta de carne e osso, com licença! Sim! Com devida licença poética, ora! Pode sim, e deve! Minha flor é de carne e osso. E tem olhos da cor da noite. Minha musa é a própria noite. Minha flor é visível ao escurecer. Minha escuridão é cada segundo distante. Meu amor é forte e tem fé. Outro texto, de amor obstante, para não fugir à regra daqueles que amam; verdadeiros amantes, perseverantes, pacientes e inspiradores, como não poderiam deixar de ser.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Nós, Que Nos Amamos

As gotas de chuva não causam muito espanto. Era de se esperar que caíssem, em algum momento. Talvez não tão de manhã, não tão facilmente, insistentemente, sobre os cabelos, escorrendo pela testa, encharcando a pele e o agasalho sobre os ombros. Guarda-chuva fechado, sorriso aberto. Não dá para explicar o que sente um coração quando, finalmente, encontra um bom motivo, algo que realmente faça sentido e justifique seus batimentos.

Os anos passados aglutinaram - com todo o cuidado possível - sentimentos nunca antes expostos; frases, versos, páginas e mais páginas de amor, jamais lidas; verdades inteiras, intensas, penetrantes, chocantes; estardalhaço completo e imutável; direto no queixo, nocaute impressionante e inesperado. Caminhos paralelamente distantes, paralelamente próximos, caminhos opostos e iguais, caminhos.

Um olhar à mesa do café, um simples e ligeiro flerte em silêncio; mãos dadas, junto aos passos pelas ruas de pedra; palavras, palavras, palavras; aromas que se alteram com ou sem adição de especiarias; bocas procuram distância, autocontrole, menos de vinte por cento; cinco sentidos afiadíssimos, como manda o figurino - encharcado pela chuva, teimosa que só. Agora, menos de cinco por cento, situação beirando o impossível, ou o possível, a depender do ponto de vista.

Querer, poder, dever. Onde é que tais resoluções se encaixam? Bem me quer; mal me quer; bem me quer, mas não pode; mal me quer, mas não deve; bem me quer, pode, mas não deve; mal me quer, não pode e não deve; bem me quer, pode e deve; bem me quer, pode e deve! Um abraço resolve tudo. Braços entrelaçados por instantes inigualáveis, incomparáveis, inacreditáveis. Porra, lindíssimo!

Para onde vão quando as pálpebras descansam? Onde é que se encontram? Onde é que dançam e dançam e dançam? O acaso, amigo, teria respostas para tão singela indagação? Para onde vão, quando perdem a razão? Onde, enfim, seus caminhos se cruzam? No apagar das luzes? Nos braços ternos do mundo mágico dos sonhos? No véu da noite? Em uma perspectiva completamente nova, que surge por detrás das montanhas cinzentas de um dia desprovido de sol? Interrogação;

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O Que Somos (...)

Somos o que somos,
Nada além daquilo que pensamos ser (!?)
Somos seres estranhos
Em múltiplas carcaças-corpos
Transeuntes, passantes
Somos habitantes
E não fazemos ideia do paralelo fantástico
Que reside dentro de nós mesmos;

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Jogo da Vida



Passado exatamente um ano, mesmo dia, mesmo horário e diante do mesmo adversário, estava novamente ele, na marca do pênalti; Tibério - ou Tibé - camisa número dez da equipe do São Roque, clube do bairro de mesmo nome e que, há pelo menos duas décadas, não levantava a taça do pequeno campeonato entre bairros do subúrbio carioca.

Em situação semelhante, para não dizer igual à que vivera durante a disputa final do certame na temporada passada, estava novamente ele; ele e a marca; ele e a bola; ele, as traves e o seu carrasco, Carlos, o terror da Vila Treze.

Nascido e criado em São Roque, Tibé defendia a equipe desde menino, tendo passado por todas as categorias possíveis até alcançar o time principal. Era um símbolo, um ídolo, um garoto querido e idolatrado pelas ruas de sua comunidade. Seu pai, Reginaldo, um ex-jogador de pouco sucesso, acostumou seu filho à rotina dos treinos, levando-o para acompanhá-lo nos campos desde muito cedo. O garoto não reclamava, adorava assistir aos treinos do pai, um zagueiro troncudo, brigador, mas de inteligência tática limitada e pouca técnica. Tinha a seu favor o fato de que era dono de uma pequena mercearia e, por ventura, era o único patrocinador da equipe à qual defendia. Não que fosse esse o principal motivo de sua escalação como titular, mas influenciava um tanto, pois, sem contar os frutos das orações, toda ajuda era bem aceita, mesmo que viesse do bolso de um de seus jogadores.

Não se sabe, ao certo, se Deus, do alto de sua existência, é fã ou não de futebol, mas para aqueles que praticam o esporte, a resposta reside na ponta da língua. Sim, claro! O difícil é saber com exatidão para qual equipe o Todo Poderoso devota sua torcida. Os mais fanáticos costumam dizer que, de alguns anos para cá, o grande velho pegou birra do São Roque, outros, tão fanáticos quanto, vão além, ao dizer que não é birra do magnífico e sim, intervenção do demo. Não somente para o azar do time. Segundo as más línguas, reza a lenda de que os jogadores da Vila Treze fizeram um tal pacto com o tinhoso, o que serviria de explicação para a longa hegemonia nos campos de várzea.

Na primeira oportunidade, Tibé escolheu o canto certo, correu tranquilamente para a bola e bateu firme. Carlos se esticou todo e pegou. O goleiro, em questão de centésimos de segundos, pareceu dobrar a altura. Inacreditável ter alcançado aquela cobrança tão certeira. Mas alcançou. E dentro dos mesmos centésimos, o menino passou de herói a vilão. O sonho findou naquele instante, terrível, comentado à exaustão nos botecos de São Roque. Alguns apelaram para a pouca experiência, outros afirmaram displicência. Tibé perdeu o pênalti. São Roque perdeu o título. Fim de papo.

E agora estava ele, definitivamente defronte ao mesmo cenário, como um replay passado um ano. Ele e a bola; ele e a marca; ele, as traves e o seu carrasco, Carlos, o Terror da Vila Treze. Olho fixo na redonda, silêncio na torcida são-roquense. Era nítida a sensação de repeteco. Vai perder de novo¿ Suspense. Vai pegar, vai pegar, bradavam os adversários. Tinham motivo para não pensar o contrário. Era Tibé novamente contra Carlos, passado exatamente um ano, mesmo dia, mesmo horário, e diante do mesmo adversário.

Ele foi, deslocou pouco a pouco os seus pés e então correu. Silêncio. Carlos compenetrado. Pé e bola. Chute. Silêncio. Ninguém se arriscaria a quebrar a concentração, fosse de um, fosse de outro. Bola e ar. Curva. Jogada de efeito. Silêncio. Carlos decolou, voou, se esticou sem defeito e, contrariando o dito popular e sua vocação para endiabrado, se fez divino. Bola no canto, firme e, novamente, em suas mãos. Jogo da vida e a equipe da Vila Treze, campeã pelo sétimo ano consecutivo.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A Noite

Não sei dizer, nem se quero dizer - mesmo que pudesse - aquilo que tinha para dizer há pouco. Parece que tudo ficou branco, a ideia simplesmente fugiu. Tendo em mente alguma referência, de certa forma, é possível traçar ao menos o contorno daquilo que se pretende comunicar, mas, infelizmente, tal feito tornar-se-á impossível, devido à memória e sua súbita traição.

Lembro-me de uma centelha, algo sobre a noite. Que triste investigação, justo a noite, lugar por demais extenso. A noite, espaço escuro, dentre acaso e alvorecer. Há tanto para dizer que, qualquer averiguação pode parecer mera tentativa ou pretexto, para fugir do assunto em questão: a ideia que correu da mente e perdeu-se em algum lugar do tempo, momento passante, lapso formoso do esquecimento; blackout.

Esta, por assim dizer, há de ser – e por que não – uma noite intranquila. Não obstante, diante de um genuíno pesadelo para quem pensa, desisti de abrir mão, pura e simplesmente, da ideia de jamais reencontrar aquela outra que tive quase agora. Soa-me fraco e preguiçoso em demasia, dar de costas às capacidades neurológicas.

Algo sobre a noite e sua classificação morfossintática, talvez. Substantivo feminino singular; percebam, feminino e singular, como não poderia ser diferente. No fim das contas, por mais que force o contrário, percebo estar novamente referindo-me à peculiaridade amulherada.  

Ou seja, quaisquer que sejam os ensaios, pelo visto, tudo se resume ao mesmo de sempre; ela, ela e ela - nesse caso, especificamente e devido à amnésia - a noite.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Que Gostoso, O Amor!

Ele parte sem rumo, a noite é uma criança, a noite é uma delícia.

Ela parte sem rumo, a noite é uma eterna dança, a noite é de fato, um espetáculo.

Eles se encontram...

E de mãos dadas, caminham pelas ruas da cidade. Fazem parte de um contexto mas não se encaixam nos clichês habituais. Parecem distantes, paralelos, como se estivessem ali, mas numa outra dimensão. Dentro de uma bolha, dentro de um armário qualquer, sob um jogo de lençóis antigos ou até mesmo apenas caminhando pelas ruas da cidade.

Os olhos dizem mais que as bocas. Olhares de amor, troca frequente. O amor é um evento maravilhoso. Os olhos dos que amam olham de uma maneira única, é diferente, há um brilho inexplicável, uma cumplicidade que – com o perdão trocadilho – realmente salta aos olhos. É bonito de ver, é bonito observar, esses dois babacas caminhando juntos pela noite, trocando beijos sem prestar muita atenção no restante desse universo imenso.

De mãos dadas pelas ruas da cidade, eles beijam sem pudor e nem dão conta do tempo. O relógio parece não gostar muito do que vê.

Incrível como as horas voam. O amor é um evento grandioso. Não dá pra saber ao certo quanto tempo cabe em um punhado de minutos. Talvez horas e mais horas de carinho ininterrupto. Alguém se arrisca a dizer que estão errados¿ Não, não. Podem se beijar à vontade! A noite, essa bela criança brincalhona, essa delícia danada, essa dança circular-extasiante, esse espetáculo todo - pra não dizer mais nada – é de vocês!


Minha menina cocaína

Pior que coca-cola ou
Balinha de goma que gruda no dente;
ou candy crush, simplesmente

Prazer eloquente, como pastilha
Efervecente

Vício feliz, vivo sorridente;

E não tenho azias há mais de 
dois meses.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Como Cair de Bicicleta

Quando eu era apenas um menino, gostava de andar descalço e morria de medo de bicicletas. Sempre tive a convicção de que cairia na primeira tentativa. Estava certo, não caí, somente. Estatelei-me pelo chão de terra e guardei - para sempre na pele - a lembrança daquele feito incrivelmente frustrante.

Não me recordo da primeira vez em que finalmente consegui trilhar uma linha reta sem maiores acidentes. Sei apenas que tal persistência surtiu longo e permanente efeito. Hoje em dia, sempre que posso, sigo a caminhar descalço, mas não em falso, e ainda arrisco algumas pedaladas pelas ruas da cidade histórica, mesmo sabendo do perigo das pedras mal encaixadas.

Agora, a exatidão em relação às primeiras linhas escritas é parte de um passado distante. Não posso dizer quando foi que comecei a poetizar o dia a dia. Talvez por necessidade, afinal, minha timidez é intrínseca - como que só pudesse fazê-lo por outra via que não a oral - escrevi um bilhete para uma menina que jamais o respondeu. Experiência muito menos traumatizante que os tombos da velha magrela, enfim, plenamente compreensível e contornável.

Dali em diante, um restante de histórias e mais histórias pra contar. Um bom punhado de sentimentos descritos em versos e parágrafos intermináveis. Da menina linda dos olhos azuis à menina linda dos cabelos castanhos. Das tantas andanças e mudanças, imprescindíveis. Dos amores passados, aos amores presentes.

A vida é feita de encontros, desencontros e reencontros, disse-me certa vez, aquela que invade meus envelopes. Um longo percurso, inacreditavelmente surpreendente e repleto de tudo um pouco; provavelmente impossível para a capacidade motora de um menino em seu veículo de duas rodas, mas absolutamente factível para a eternidade de suas folhas em branco.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Um Abraço & Um Nó

não há qualquer sentido
em subtrações
quando o cálculo, no caso,
diz respeito a dois corações;

um pega,
uma cama,
sexo & chamas.

quatro braços
quatro pernas
um abraço e um nó; nós.

duas bocas,
um só desejo:
mais de um milhão de beijos.

soma, 
multiplica;
amor é mais.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Crônica da Comanda da Morte

Hoje senti um desejo terrível de cometer algo um tanto inimaginável. Homicídio, culposo, com intenção total de matar. A vontade era tanta, e as opções, tão diversificadas, que não seria surpresa – nem para mim mesmo – realizar, de fato, tal façanha.

Quis triturar seus órgãos; fatiá-los em pedaços com a ajuda de um cutelo. Quis arrancar seu cérebro, quis arrancá-lo e servi-lo à moda do chef. Filho da puta! Como eu quis acabar com a sua vida! Vontade de marcar com fogo toda essa sua insignificância, essa arrogância escrota, esse ar de superioridade que inferniza a minha rotina.

Hoje poderia ser preso, ser levado para o xadrez, pouco importaria! Cagando e andando para tudo isso, aceitaria as algemas sem dar sequer um pio. Baixaria a cabeça e olharia fixamente para os meus pés e minhas mãos, tingidas de vermelho-crime.

Hoje um fuzil teria caído bem; um lança-chamas, um canivete, uma pistola de sabão, qualquer porcaria dessas teria sido utilizada em prol de sua extinção. O mataria aos poucos; o mataria tortuosa e lentamente; com golpes curtos, tiros em locais específicos, cortes providenciais. Quanto mais sangue, melhor.

Não haveria ouvido capaz de ouvi-lo gritar. Na verdade, mesmo que houvesse, não sobraria corda vocal pra exercitar seu poder de canto de sobrevivência. Sua competência sonora seria inviável, afinal, estaria – nesse momento – procurando sua língua, pelos cantos de seu abatedouro-salão-qualquer-lugar-da-casa.

No final das contas, um infarto seria mais que uma bênção; um sonho de consumo. Sorte a sua que me contentaria com simples três tapas na cara. Uma finalização-farra, depois de alguns chutes no saco e um esculacho verbal-psicológico daqueles, dignos de gravar com celular para publicar no youtube.  

Que fique claro - GARÇOM INACREDITÁVEL - pense melhor da próxima vez, quando vier me pedir um couvert de pães e patês, às dez para as duas. 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Lapso

I

Fazem falta, as crônicas que vinham repentinamente à cabeça; lapsos pensantes despretensiosos. Assim como a fumaça dos cigarros intermináveis e inspiradores. Creio que todo escritor é refém de algo que determine, de alguma maneira, o quê e o quando de suas criações. É como tentar escrever com uma caneta sem tinta.  Está ali, mas não está. Foge aos sentidos, esconde-se por detrás de algo que não sei ao certo como explicar.

II

Meus pés. Não senti meus pés. Em devaneio, voei por aí e tornei a voar, para lá, por aqui e acolá. É bonita essa coisa de sonhar com asas invisíveis (não que seja necessário tornar-se pássaro para alçar voo).  A noite de luar, o brilho das estrelas, a cidade cintilante, o sorriso da menina linda em pleno sono, o balanço das ondas, o amor... ah, o amor.

III

Saudades também (além dos vícios supracitados) do pequeno caderno de micro-sonhos. Saudades da capa dura e do elástico; saudades dos rabiscos aleatórios, das colagens, dos momentos de reflexão e desabafos; saudades das paixões e das constatações sem qualquer intuito de seriedade. Saudades dos sorrisos preciosos; das devoluções; saudades;

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Crime, Castigo, Paz & Recompensa

Ele não leu o Dostoiévski que ela comprou. Pior! Nem ao menos imaginou que aquele pacote lacrado em cima de seu criado mudo poderia ser um Dostoiévski! Porra! Um Dostoiévski! O Dostoiévski que ela comprou no dia do seu aniversário! Ela lembrou a data, saiu, arrematou um baita livro e ele não deu a mínima...

Ela:

Puta que pariu, sabe!? Vai pra casa do caralho! Você não leu o Dostoiévski! Você não leu a porra do Dostoiévski que eu te comprei e ainda quer que eu leve a sério esse relacionamento?

Ele:

Amor! Desculpa! Eu não li o Dostoievsky! É que, quando eu vi aquele Graciliano Ramos por míseros dois reais, eu soube na hora... era a glória, era um ato obrigatório! Amor! Um Graciliano Ramos por dois reais! Eu sou um predestinado, isso é inacreditavelmente inacreditável, absurdo, fantástico!

Ela:

Pau no cu do gato! Eu não quero saber se você tá encantado! Você não leu o Dostoievsky que eu te comprei em troca desse livrinho barato! Infeliz! Bastardo! Bastava ter aberto o pacote!? Não era O Capote (Gogol) mas era um agrado! Não! Você tinha que causar esse estardalhaço! Palhaço! Vontade de cuspir na sua cara! Cretino! Mal agradecido do caralho! Pega esse Graciliano e enfia no rabo!

Terminaram a noite se amando loucamente em baixo dos lençóis. Ele foi pego de surpresa. Inesperadamente, ficou sem reação, por se tratar de uma abordagem no mínimo áspera, dentro de um relacionamento até então estável. Antes de tirar a roupa, ela o fez ler o prefácio. Algumas poucas palavras, antes de um verdadeiro mergulho existencial em suas intimidades, agora, um tanto menos agitadas. Enfim, um feliz aniversário.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Reticências

...eu vou morrer de amor;

Ela disse que eu vou morrer de amor e eu ando acreditando nisso. Mais do que morrer, simplesmente; vou amar incansavelmente até o fim de todas as minhas possíveis vidas. Serei eterno amante e preciso conformar-me com tal ideia.

...as pessoas não escutam;

Ou pelo menos fingem que não escutam. Talvez nada compreendam e, por isso, não evoluam o raciocínio. Quando paro para pensar no que dizer, penso estar sendo completamente inadequado. Aliás, que palavra bonita essa, inadequado. Adoro essa palavra, muito mais do que adoro adequado, que soa sem qualquer graça. Enfim, se eu paro para pensar no que dizer, acredito não agir de acordo com aquilo que sou, e isso é - para não dizer terrível - um tanto assustador.

...o tempo passa sem dó...;

E quando nos damos conta, três horas inteiras fogem em vinte minutos! É incrível como esse sujeito pode nos enganar tão facilmente. Um piscar de olhos e voilá! A noite amanhece, a manhã entardece, a tarde anoitece e os minutos teimam em voar; e voam, e voam, e voam...

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Inversa

Primeiro escolheu o amor

Do amor, puxou
Um beijo!

Rasgou o fio do desejo...
Vestiu-se de paixão;

Ela é inversa, gosta
De gostar na contramão;

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Crônica Para Uma Futura Internação

Não sei falar de outra coisa, desculpem-me. Sinto parecer um tanto quanto ultrapassado, batido, demasiado clichê, mas não, não sei falar de outra coisa. Eu tento, procuro mudar o ponto de vista, abordar uma temática diferente, usar mecanismos de fuga do padrão, mas não, não consigo falar de outra coisa.

Pode soar estranho tudo isso que agora vos digo, mas é muito isso. Caí em mim e dei-me conta de que não há outro assunto, outro papo. É sempre o mesmo, de maneiras distintas, em contextos diversos, porém, sempre a mesma coisa, o mesmo blá blá blá ao qual todos estão acostumados. Preciso encontrar um jeito de alterar a forma com que lido com essa situação, mas não, como não sei falar de outra coisa, acabo tornando sempre ao comum de meus escritos.

Adoraria falar disso e daquilo, adoraria falar qualquer coisa que não fosse o que rotineiramente digo e repito. Esse mais do mesmo que norteia meu fluxo cerebral para a mesma direção, todas as vezes que penso em botar no papel algumas das ideias que surgem em minha cabeça. Não sei ser diferente de mim mesmo, não sei ser outro, não sei ser como vocês gostariam que eu fosse. Não sei atender às minhas próprias expectativas, não, não sei falar de outra coisa e necessito urgentemente de uma válvula de escape.

Talvez queimar todo o papel do mundo e fingir não reconhecer a tinta de uma caneta quando estiver diante de uma. Isso é muito mais difícil do que eu imaginava, mas não tão difícil quanto mudar o discurso, trocar a fita, se é que vocês me entendem (¿!).

Percebam, o caso é digno de tratamento psiquiátrico, distúrbio psico-repetitivo, como se não existissem maiores possibilidades, demais horizontes. Sempre volto meus anseios e toda a minha loucura para um ponto entre milhões. Como se não pudesse fazer o contrário, como se algo me impedisse.

Internem-me numa clínica qualquer, eu simplesmente não consigo falar sobre outra coisa que não o amor. 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Sem Título

Tinha um cara na rua

Na tua rua;
Na porta da tua casa

Flertando com
Os teus girassóis;

Fazendo afago
No teu gato persa;

Mas como tinha pressa,
Não ficou.


terça-feira, 13 de agosto de 2013

Vôo Noturno

A noite o chama para um passeio. Vestido com suas botas grossas e sua blusa de frio, ele caminha pelas ruas da cidade, que descansa. Pouca luz, ausência de ruídos, o contexto remete à solidão de um oásis em meio ao deserto. Apenas ouve o som dos próprios passos, enquanto pisoteia cascalhos e folhas, junto às velhas calçadas de pedras brutas.
...

O maço de cigarros funciona como orientação para futuras ações. Se há cigarro, há companhia. Numa noite desprovida de calor, se há cigarro, há um quê de presença. A brasa e a fumaça acalmam e acolhem ao seu coração solitário. Inconscientemente, ele compreende, que cada trago revela uma proximidade com o dia seguinte, o amanhã.
...

Olha para o céu e faz pequenas ligações, pontinho por pontinho, como que estivesse a desenhar com estrelas. Já que não pode alcançá-las, brinca, por alguns instantes, com a remota possibilidade de construir constelações partindo do amor. A lua, em forma de sorriso, parece acenar positivamente. Ele então sorri de volta, entorpecido.
...

O caderninho vai acumulando páginas e mais páginas de devaneios diversos. Frases tão soltas quanto a brisa do mar. Versos sobre amor platônico, traços sobre o papel em branco. Páginas coladas, que escodem segredos para a eternidade. Dentre tantas opções, ela escolhera o amor e rasgara o papelzinho.  Love, Love... And all she need is love.
...

Seus pensamentos migram como gaivotas. Voam para qualquer lugar sem fazer referência a qualquer hipótese de retorno. Vão e voam e somem no mundo. Lembranças de infância, ideias sobre o presente e uma boa dose de ansiedade pelo futuro, que reside nos segundos subsequentes. O tempo passa e ele nem se dá conta.

Já é dia.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Bolo Inglês

Provavelmente ela não se recorda da primeira vez em que nos vimos. Coisa rápida, fração imensurável de tempo. Milésimos de milésimos de segundos. Um olhar distante, despretensioso, algo muito comum para dois desconhecidos.

Como chegamos até aqui permanece uma incógnita. Caminhos que se cruzaram naturalmente, almas que se abraçaram com muita força, corações que se tiraram para dançar, ao fim de noites que poderiam se estender pela eternidade, de uma fração de segundo qualquer, como aquele, em que nos conectamos. Segundo o amor, é assim que tais coisas funcionam.

E o amor, este, ao qual partilhamos, é um oceano. Não por ser imenso, ou por não ter fim. É questão de ser um lapso, de sentimento fácil, algo que simplesmente acontece, como uma onda. O amor, ao qual me refiro, não se planeja, nem dele muito se espera. Tem a ver com sensações, como as surpresas, os anseios e o frio na espinha.

Provavelmente ela não se recorda da primeira vez em que nos vimos, e admito, seria absurdo demais guardar tal lembrança. Um milionésimo de segundo, onde seus olhos encontraram os meus. Onde o sorriso saltou ao rosto, fazendo minhas bochechas passarem a um tom levemente avermelhado.

Pulso intenso, batimentos desenfreados, confusão mental e a respiração afetada por algo inexplicável.

Como o gelo de suas mãos ao tocar as minhas, enquanto assistimos a um filme qualquer. Gelo este, que derrete aos poucos, a cada toque, a cada beijo, a cada novo bom motivo para seguir adiante. A cada novo bom motivo para esquecer o frio e aquecer os pés debaixo das cobertas. A cada novo bom motivo para somente a observar enquanto cozinha seu bolo inglês.

sábado, 27 de julho de 2013

Rosa dos Ventos

Que barato, pensar na vida que tive, ao longo desses vinte e seis anos. Uma caminhada intensa desde o começo, uma jornada por arredores diversos, vida cigana, hora ali, hora aqui. Algo que talvez justifique minhas tatuagens. Rosa dos ventos, sou um passageiro e amo sentir aquele frio na barriga que precede qualquer embarque.

Desde cedo assim, mutante, aprendi que o coração deve ser ainda maior que a mochila pendurada nas costas, para fazer caber tudo aquilo que se recebe durante a viagem. E que viagem! Anos e mais anos de incertezas absolutas. Minha vida é um mapa, aberto para toda e qualquer nova possibilidade.

Lembro dos amigos de infância, que não tive. Lembro das raízes, jamais fincadas em terras pelas quais passei. Lembro de tudo que poderia ter sido caso o acaso não fosse tão presente desde os primórdios. Engraçado levar isso em consideração.

Quem eu seria? Se não tivesse deixado a cidade pequeno. Se não tivesse ido ainda menino morar no meio do mato. Quem eu seria? Se não tivesse trocado o pacato pelas ondas de uma praia qualquer. Ou tais ondas por pedras mudas num centro histórico de uma cidade absurda? Quem então, agora eu seria? Se tal rotina não tivesse me levado para os braços de Iemanjá, para as ruas do pelô. Quem seria esse menino lobo que vos fala?

De certo, apenas a ideia de que é isso. É isso que sou. Essa é a minha essência fundamental, é o básico de mim mesmo. Minha identidade, viajante de um corpo que abriga tanta e tanta vontade, de ser sempre mais e mais e além. Praticamente um alien ou coisa do tipo.

Essas palavras resumem o que sou. E talvez mostrem para o mundo a sua melhor faceta, mãe; mulher maravilha, pai e mãe, heroína, desde o meu primeiro dia até o último ponto de qualquer reticência que vier pela vida...

E aí ela diz, que viagem.

E eu respondo, sim, e que viagem!

Minha mãe não precisa de palavrinhas de amor, nunca pediu por isso. A relação, percebam, é das mais malucas, não existe submissão, nem questão hierárquica. Às vezes filho, às vezes irmão. Às vezes pai, às vezes amigo azedo, amigo doce, mas amigo sempre. Mãe é para a vida toda e eu me acostumei com essa ideia logo após o parto.

Minha mãe diz que nasci sorrindo. Também pudera, primeira coisa que vi na vida foram seus olhos olhando para os meus.

Viagem? (...)

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Papéis em Branco

Haverá um dia em nossas vidas, um dia em que olharemos para trás. Um dia que ficará marcado por ser o dia em que abrimos nossas gavetas e reviramos nosso passado. Nesse dia, teremos mais certezas do que dúvidas. Nesse dia, saberemos o que fomos, mais do que sabemos o que somos. Nesse dia, escorrerão lágrimas e a saudade será grande. Talvez não.

O presente, onde nos encontramos, por mais abstrato e confuso que pareça, guarda em si alguns pontos impressionantes. É dele, e somente dele, o poder de preencher os papéis em branco.

Papéis em branco. Papéis preenchidos. Algumas gavetas.

Essa é a vida. Esse é o resumo das nossas vidas. 

Papel e caneta nas mãos. Destinos incertos, amanhãs mais imprevisíveis que a meteorologia paratiense. Um pingo de inspiração num poço de desejos, eis o que parecemos ser. Rascunhos, esboços, rabiscos. Esse é o risco que corremos somente por estarmos vivos. Caminhar junto às horas do dia a dia, junto às possibilidades de um livro prestes a começar. 

sábado, 20 de julho de 2013

Coração de Papel

Eu apenas observo, acho bonito tudo àquilo que desconheço. Ela se diz escura, complexa. Respeito, sei do risco, sei das dificuldades. Apenas finjo não existir qualquer impossibilidade e desejo compreender, por mais estranho que pareça, os bons motivos que talvez existam para que não sorria com frequência.

Adoraria vê-la sorrir mais. Assim como fazê-la sorrir sempre que possível. É nisso que eu acredito, e disso ela já sabe. Meu coração de papel cresce, cresce e só aumenta, ao passo que a desvendo, um pouquinho mais, dia após dia.

Gosto da expectativa, do imprevisível. Do silêncio que permeia nosso diálogo, da simples sensação de presença boa. Desde o bater na janela, ao passeio à la Nietzche pela madrugada. 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Ciclo da Vida

A gente nasce, e a partir disso, precisamos de total atenção. E como não somos capazes de saber nem por quê choramos, dispomos de pessoas que, de prontidão, assumem tal responsabilidade e passam a atender todas as nossas necessidades. É o caso das mães, dos pais, dos tios, dos avós e demais agregados.

E a gente cresce substancialmente, ano após ano, e nos tornamos crianças lindas, e brincamos, corremos soltos, sentimos o frescor da melhor época da vida em brisas leves que bagunçam nossos cabelos. Não há qualquer compromisso, somos o que queremos ser, somos heróis de capa vermelha e bonecas de pano amarrotadas.

E a gente segue ficando um pouquinho maior, dia após dia, e vamos gostando de coisas diferentes, passando a observar o mundo de um ângulo totalmente novo, aprendendo que existem caminhos para seguir, coisas importantes para fazer, e outras que simplesmente tendem a ser evitadas. Passamos a furar a orelha, pintar o rosto.

Quando nos damos conta, compramos os primeiros soutiens, as primeiras cuecas boxer, esparramamos amor pelas ruas, pelas redes sociais, vivemos a vida loucamente, com amigos loucos e ressacas memoráveis. Jogamos o tempo para o alto e apenas desejamos ser livres, eternamente jovens. Surgem as primeiras namoradas, os primeiros ficantes e é claro, as primeiras desilusões e dores de cabeça.

O tempo voa e logo tudo muda um pouco de figura. Nos formamos, procuramos os mais variados empregos, desejamos ter mais tempo. Caçamos um buraco qualquer na agenda para tentar ver os amigos e fazemos um esforço tremendo para nos reunirmos com a família nos fins de semana. Qualquer diversão parece um imenso quebra-cabeça. A saudade das brisas leves e dos cabelos bagunçados começam a rondar o cotidiano dos mais novos empreendedores da vida.

E sem que sejamos capazes de perceber, nos despedimos pouco a pouco daqueles que um dia foram fortes o suficiente para que um dia nos tornássemos menos frágeis. O ciclo da vida é uma coisa louca. Nos tornamos fortes o suficiente para cuidar daqueles que enfim, vão seguindo o ritmo dos fios de cabelos esbranquiçados, cada vez mais e mais frágeis.

Se a vida puder ser comparada ao teatro, e eu acredito que possa ser, de fato, vejam, que tudo não passa de uma progressiva inversão de papéis.

Reparem, os avós são os mesmos. Os avós são e sempre serão os mesmos. Os avós já nos recebem velhinhos, e durante os tantos anos que nos acompanham, mudam relativamente pouco. Alguns encolhem, outros perdem a elasticidade da pele, assim como a capacidade de enxergar ou ouvir. Muitos sequer se lembram das brisas leves e qualquer lapso de cabelo bagunçado.

Mas jamais perdem o brilho nos olhos. A magia. Entendam, a dica que eu deixo é simples, para todos nós que temos uma vida inteira pela frente: aproveitem seus avós, suas mães, seus pais, seus tios e demais agregados mais velhos.

Dedico esse texto à minha avó. A pessoa mais valiosa da minha vida, meu maior tesouro. É por ela que escrevo, é por ela que cozinho, é por ela que amo tudo ao meu redor. Meus amigos, se os tenho e os amo tanto, agradeçam a essa senhorinha linda. Dona Maria de Nazareth Dias Kresiak, vovó Naná, ou apenas vó, como a chamo desde que me conheço por gente.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Mensagens Para Leituras Matinais

É que eu me sinto muito bem, como se fosse uma válvula de escape. Não tenho meios para explicar de uma maneira simples e direta. Meus horários não coincidem, é tão difícil estabelecer um contato simultâneo, tão impossível, que a alternativa mais próxima e eficaz, por incrível que pareça, é essa.

Mensagens para leituras matinais. Chego do trabalho sempre no outro dia, entendam, não é complicado, saio de casa ao fim de cada tarde e retorno em plena madrugada. Por isso escrevo minhas mensagens de bem querer enquanto ela dorme. E enquanto eu me recupero e durmo feito criança, ela finalmente lê e brinca com as palavras.

Uma pitadinha de calor, para aquele que tempera a vida alheia, enquanto pensa numa solução um tanto quanto flambada para as noites de frio em baixo do velho edredom.

domingo, 14 de julho de 2013

Vida Louca, Vida

A vida é uma loucura completa. Um ininterrupto desenrolar de fatos, acasos, um circo voador, que voa e voa e finalmente pousa, ou repousa, no fechar dos olhos, no ponto final. Todo mundo sabe que a morte é uma certeza. O que ninguém imagina, ou se dá conta, é como ela pode ser simplesmente uma boa dose de alívio e conforto instantâneo, a ponto de se fazer desejada acima de qualquer outra coisa.

Conforto alucinante, tranquilidade na clareira do caos.

O ponteiro, ele rodou mais rápido no mesmo relógio de ontem.

O quê as horas guardam nos espaços do contratempo?

Vida, bonito saber aproveitar cada segundinho dela, cada instante, cada momento como se fosse único e o último. Nunca saberemos qual a distância que nos separa de um plano maior, qual o tempo que ainda teremos até tudo acabar. É tudo muito complexo, partindo desse ponto de vista. Melhor não ter ideia, melhor viver.

Levar a vida. Sorrir mais. Agradecer mais. Ser generoso, ter prazer em fazer alguém feliz. Não ser arrogante, não ser falso. Falar a verdade, olhar nos olhos, abraçar apertado. Dizer que ama quando ama, dizer que existe saudade. Estender as mãos, saber ouvir, mais do que falar. Falar, quando as palavras forem substancialmente pertinentes.

Uma única chance. É tudo o que temos. Uma única oportunidade, para aprendermos a ser bons, felizes, e grandes o suficiente para levarmos essa mesma vida de sempre até seus últimos capítulos.

O desejo é um tempo parado;

É quando se trocam as datas dos bichos e das flores.

É quando aumenta a rachadura da velha parede.

É quando se vira a folha, a folha da história.

É quando se pinta um fio branco na cabeleira preta.

É quando se endurece o rastro de sorriso no canto dos olhos.

Eu sei que a viagem é longa.

A voz vai e vem.

Você tá aí?

Você tá aí?

Ei, você está aí?

Que seja intensa, que seja louca, que seja uma porrada na cara. Que seja o que bem quiser, que seja. Vida louca vida, cazuzeando o decorrer do tempo, que passa, passa e nunca pára. Que dure o quanto tiver de durar, infinita que é. Somos apenas passageiros.  

O que fica é a saudade do que poderíamos ser.

Um gostinho amargo de quero mais, de quero muito mais.

Entretanto, haverá espaço para o teu sorriso em minhas lembranças. Sempre.

Uma longa pausa para os batimentos angustiados.

Enfim, um descanso para as cãibras e para a cabeça, por muito atordoada.

Vontade de caminhar para trás, voltar no tempo;

Nos vemos pelas esquinas, pelos copos quase vazios, pelas fumaças de cigarro. Nos vemos por aí. Não dá para esquecer, não dá para apagar. O caso é tentar perdurar algo perecível, um caminho de pedras, ou uma imensa aventura, essa é que é a vida meu irmão, uma loucura.

Vontade de abraçar o infinito.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Convite

Tudo começou com duas doses de uísque. Duas pedrinhas de gelo, uma em cada copo. Nossos olhos não se desgrudam e nossos lábios sabem fazer bom proveito dos repentinos intervalos entre um devaneio e outro.

Madrugada. Quando não se espera mais nada, ela surge sorrateira, com seu véu de escuridão sugestivo, como que quisesse fazer daqueles copos no balcão, apenas um pretexto para que um e outro se tornassem dois.

Ela olha fixamente para os meus dedos, enquanto trago impiedosamente meu último cigarro. Era de se esperar que me oferecesse outro, o que não acontece. Surpresa. Quer preservar a pouca saúde que em mim ainda resta.

Vento frio. Certo que faria frio. Desde muito cedo, o dia acenou com tal possibilidade. E incapaz de me resguardar, fui procurar me esquentar em seus braços, tão arrepiados quanto os meus. Dois desprevenidos, quando se juntam, se aquecem, porque é isso que os corpos pedem.

Uma dose a mais, em qualquer copo, de preferência descartável. Essa é a deixa para levantar e ir para outro lugar, buscar calor, fazer calor, torrar de amor até raiar o dia. Paraty tem dessas coisas. 

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Quero Gozar

Tarde de frio e chuva. Andando pela avenida principal, sinto que poderia apertar o passo. Mas não o faço. Prefiro servir de bucha, para as inúmeras gotas que escorrem por mim e inundam meu trânsito. Sigo pulando poças e sorrio, para os que procuram um lugar para se abrigar.

Estranho como tudo pode acontecer perfeitamente como se espera. Raios e trovões são substancialmente bem-vindos, meu peito está pronto para tudo. Até para essas sensações loucas que me invadem do nada, vontade absurda de mostrar os dentes, de gargalhar, de contar a piada mais sem graça da história para a pessoa que mais detesta piada no universo.

A felicidade não exige uma trepada com uma mulher maravilhosa. Isso é coisa para os galãs de calçada, que insistem no ideal foda-realização.

Eu quero gozar sim. Eu quero gozar e muito. Mas muito mais que simplesmente ejacular em vaginas alheias, hoje eu quero gozar a beleza da vida, o prazer de uma repentina alegria, um sorriso sincero no rosto encharcado, em uma tarde away da rotina.

Sem mais. 

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Últimos Tragos

( e Os Primeiros Passos da Revolução no País do Futebol)

Observo lentamente o cigarro virar cinza, queimando aos poucos, caindo pelas beiradas, amontoando restos de milhares de substancias tóxicas e suas bitucas cheias de baba, junto aos cinzeiros da casa. A ansiedade por mudanças me leva às ruas, e meus tragos, à exaustão. Cada nova passeata me traz a sensação de uma maratona completa.

É lindo ver o movimento sacudindo o país. Milhões de corações loucos e tão exaustos quanto o meu, empunhando cartazes, soando palavras de ordem, amando o momento mágico que será lembrado por todos os professores de história das próximas gerações. Isso é muito mais gratificante do que qualquer chute em gás lacrimogêneo ou avos de centavos derrubados.

Nossos filhos saberão, que seus pais fizeram alguma coisa. Assim como seus avós também fizeram. Saberão que saímos da inércia, daquela situação confortável, da bolha, saberão que fomos para as ruas, que acompanhamos as fanfarras, que nos dedicamos às mais variadas causas e por conseguinte, enfim, saberão que alcançamos nossos objetivos.

Estes sim poderão - oxalá - desfrutar um país um tanto mais interessante. Porque beleza é o que não falta por aqui. Porque amor é o que não falta por aqui. Porque tesão por ser brasileiro é o que não falta por aqui. Porque isso e porque aquilo. Estes sim, graças ao meu bom pai, compreenderão a essência desse vandalismo ao qual noticiam.

O país das bundas e do futebol mais vistoso do mundo, agora, pode também se orgulhar de uma juventude irrequieta, mesmo que da noite para o dia. É tempo de mudança, é tempo de olhar para a frente. É tempo de não desanimar, tempo de ir à luta. Tempo de rever conceitos e mudar antigos paradigmas. Também é tempo, e isso há muito tempo, de largar o cigarro.

Últimos tragos e fim às considerações.

O contexto pede mais ansiedade, diversas noites mal dormidas, lances e mais lances nas catracas, cartazes e urros e gritos. Porém, sem o isqueiro no bolso. A revolução é tamanha que causa certo espanto aos meus pulmões.

Sorte a minha ambos não terem aderido aos manifestos, não seria de se espantar vê-los com suas cartolinas rabiscadas defronte um punhado de câmeras, protestando "seja PRIMEIRO EM VOCÊ a mudança que TANTO DESEJA para o mundo".

Nada mais justo. 

terça-feira, 25 de junho de 2013

Poucas Palavras

Nem sempre tenho as palavras certas na ponta da língua. Desafio a mim mesmo, em determinados momentos, a tirar algumas, mesmo que poucas, do fundo desse abismo mental. Me agrada a ideia de jamais errar o alvo, dar tiros certeiros e não desperdiçar uma vírgula sequer.

Quando não existe nada a ser dito, o melhor é permanecer quieto. Sussurros contidos ao pé do ouvido, gritos calados em meio à multidão. Estou distante demais para me esforçar um tanto mais e enfim, dizer algo que simplesmente não valha a pena. É a questão do irrelevante. Para quem? Para quê? Não faz sentido.

O silêncio tem sido, dentre tantos outros, o melhor dos amigos...

sábado, 8 de junho de 2013

A Vida É Um Doce

a vida é um doce
e bate forte, e bate firme
e chacoalha

a vida é um doce
divide-se em quadradinhos
cada um no seu

a vida é um doce
e tudo o que parece ser, não é
e tudo o que é espera, não vem

a vida é um doce
que amarga a língua;

la dolce vita bem se aplica aqui.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Amor e Fúria

Ela fala da leveza dos meus versos, acho bonito. Discorre sobre uma inexistente proximidade com Bukowski, à qual surpreendentemente admiro. Repete, diz que acha bonito. Aparentemente gosta bastante do que digo e soa um tanto menos maléfica do que parece ser.

Meia luz. Apenas um abajur, para ser exato. Ela é um colírio para os olhos e não demanda qualquer esforço para ser percebida diante à semi-escuridão da madrugada em questão.

Observo seu corpo nu, esparramado delicadamente sobre a cama. Meus olhos penetram profundamente os seus. Lentamente, caminho em sua direção e não desvio o olhar por um segundo. Sei do pecado que seria fazê-lo.

Imóvel, ela aguarda e sucumbe à investida que não tarda. Amor e fúria. Desbravo sua carne e me delicio, sem pressa alguma.

Diante dos fatos, como que a alertar sobre um possível desfecho, ela acena com um misto de gemidos e sussurros, aos quais não procuro compreender. Finalmente satisfeito, recolho meu corpo ao seu lado. O silêncio sugere infindáveis conclusões.

De repente, um beijo.

E agora sou eu quem não se move. A paralisia me consome subitamente e não sinto sequer minha respiração. Paranóia? Não. Busco recobrar meus sentidos, em vão. Muito além dos sintomas tetraplégicos, nesse momento, sou mais que um simples cretino. Sou um qualquer cretino totalmente entorpecido.

Quando o beijo finda, seus lábios tem gosto de morte. Enfim, minha sorte fora lançada. Ela acende um cigarro e se acomoda na poltrona. Intercala cada trago com um breve sorriso, risada, de menina travessa.  Por Deus, como é bonita!

Estou a um passo da eternidade e por incrível que pareça, um desejo, absurdo e derradeiro: outro beijo, tão intenso e mórbido quanto o primeiro. 

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Plano de Fuga

Saída pela direita, pela esquerda. Certas vezes é necessário ter em mente um bom plano de fuga. Saída à francesa, literalmente. Um ruído em falsete, no terceiro degrau da velha escada de madeira. A hora é agora.

Como disse anteriormente, tal plano deve estar perfeitamente pronto para ser colocado em prática. Não há tempo para improvisos. Qualquer lapso de criatividade momentânea torna-se descartável, por completo.

Os segundos subsequentes são determinantes. É  como um filme em câmera lenta, onde cada passo requer muito cuidado. O processo é milimetricamente calculado e demanda muita precisão. Seja qual for o destino final, imprescindível é o afinco para com todas as etapas. Um deslize pode custar caro e, em certos casos, até a vida.

Os possíveis paradeiros são muitos. Variam de acordo com o contexto, se estiver no banheiro, escorra pelo ralo ou esprema-se para dentro de um frasco de shampoo; se estiver na cozinha, esconda-se num pote de biscoitos ou abaixo da pia. Nunca no forno, nunca no microondas, os motivos são mais que óbvios.

Caso o local seja o quarto, fuja, mas fuja também dos clichês. O armário soa ridículo. Não vá para de baixo da cama. Procure alternativas viáveis e se necessário, perca a classe. O disfarce de abajur é sempre uma ótima alternativa. Vista uma fronha, camufle-se junto aos demais travesseiros ou, em último caso, torça para a cama ter um belo gaveteiro. Do contrário, corra para o telhado,  para a sacada. Todo quarto possui ao menos uma janela.

Se não houver saída, entregue-se. Esqueça o que eu disse no segundo parágrafo, proponha um ménage à trois, use e abuse de sua imaginação. Voe alto, mas lembre-se, truco não é jogado à três e não ouse de maneira alguma dormir em meio ao casal. A sinfonia de roncos pode ser ensurdecedora.

Uma última coisa, verifique a altura da janela, caso tal vôo seja fruto de um arremesso.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Persona

quem é você?

talvez Bergman saiba responder
talvez não saiba
talvez eu esqueça
de perguntar
quando o vir;

o batom vermelho,
os trajes multicoloridos;

só que não,
o palhaço sou eu
porque é o palhaço quem chora
de amor escondido;
pelos cantos

terça-feira, 14 de maio de 2013

Um Imenso Desperdício

Não consigo entender qual é a graça. Qualquer tentativa de compreensão a respeito dos sorriso alheios é completamente vazia. Parabéns aos que sorriem.  Não bato palmas porque julgo desnecessário para com os mesmos. Já basta toda essa felicidade. Ainda que pudesse sorrir de encontro, mas nem isso.

Na vida de um homem existem diversos parâmetros. A cama vazia e a garrafa cheia. A cama vazia e a garrafa pela metade. A cama vazia e a garrafa vazia. A cama ocupada, por um projeto de alcoólatra ao findar de suas madrugadas  razoavelmente poéticas. Litros e mais litros de uísque desperdiçados por um frustrado qualquer. Ainda que vomitasse tudo, mas nem isso.

E qual é a graça? Tal contexto. Um total idiota aos trancos e barrancos, dando tragos em cigarros intermináveis e goles em garrafas que parecem brotar do chão. A graça reside neste viver miserável. Ainda que fosse um grande escritor, um grande cronista, um grande poeta. Ainda que fosse um grande qualquer coisa, mas nem isso.


Com o tempo, desenvolvi um horror imenso em relação à madrugada. Esse silêncio preenche a minha cabeça, como que alertando sobre a solidão que domina a minha rotina e destrói as possibilidades de equilíbrio mental. Ainda que tivesse um cão pra dormir aos pés da cama, mas nem isso.

Acredito no amor. Acredito nessa coisa louca. Quantas vezes me joguei, me espatifei, me levantei e tornei a repetir a ordem de tais fatores. Acredito no arrepio. Na ansiedade. Levo muita fé na falta de sono, na saudade. Gosto de gostar dos outros. Ainda que a recíproca não seja sempre verdadeira.

Qual é a graça? Não sei. Cama vazia, garrafa pela metade. Ainda que esse uísque tombasse e esparramasse sua tranquilidade pelo chão, ainda que a madrugada acelerasse para logo raiar o dia, ainda que um vira-lata moribundo tocasse minha campainha, ou meu coração. Ainda que os sorrisos passassem a fazer sentido.

Certa vez disseram-me que eu era um imenso desperdício, porém, ao que tudo indica, nem isso.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Yakissoba de Rua

Nem sempre quando se é chef existe a obrigatoriedade de comer em casa. Fazer tudo o que for comer, tampouco ficar saindo para restaurantes caríssimos, bistrôs e coisas do tipo. Quem inventou esse tabu precisa ser atualizado dos fatos. Fome é fome, e para matar a fome basta qualquer coisa mastigável. 

Que fique claro, isto não é um incentivo aos fast-foods, o que em geral abomino. Porém, não é assim que funciona, bateu a vontade de comer vai lá e bota o macarrão na água, pica a cebola, pulveriza a salsinha, faz uns quatro ou cinco tomates concassé e beleza, tá na mesa. Certas vezes o tempo é curto e tal desejo de cozinhar simplesmente não desabrocha.

Para isso existem as soluções rápidas (vejam, soluções rápidas; nada tem a ver com fast-foods), como o chinês do yakissoba, todas as noites no mesmo ponto, fazendo a mesma coisa. Ele aquece o wok, joga um cubinho de manteiga, dá uma fritada no frango, adiciona o macarrão pré-cozido junto dos legumes, rega com o molho de soja e pronto. Da embalagem pro prato, do prato pra boca, da boca pra satisfação imediata.

Engraçado esse china. Mal entende o que eu falo, quando digo para caprichar no molho de soja, ou até mesmo quando pergunto se  tem troco pra vinte. Certamente está no país há pouquíssimo tempo. Não dá para saber se é de Xangai, se tinha algum afeto por Mao ou se costumava frequentar as óperas de Pequim.

Certo é que o mesmo convive com a minha cultura, e me oferece um punhado da sua, preparando o meu jantar, ao lado de um ponto de ônibus qualquer. São Paulo não ostenta a pompa de uma Cidade Proibida, ou coisa do gênero, mas tem dessas coisas.

Aqui é possível encontrar um chef de cozinha comendo numa carrocinha, e ai daquele que se opor às soluções rápidas. O ritmo da cidade deveras contribui para tais escolhas. Mas que se dane, nada se compara ao sabor do macarrão tostadinho do fundinho da panela.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A Carta Mais Linda da História

A carta mais linda da história desapareceu. Meus parágrafos voaram para longe, se é que voaram. Minhas ideias sobre o amor ao qual contemplo dissiparam-se numa turbulência de fatos inexplicáveis ou num extravio de bagagens do aeroporto mais próximo à tua casa. Andam roubando bagagens nos aeroportos. Eis um possível destino torto para a carta que lhe escrevi com tanto carinho.

Não era para ser lida. Sequer sentida, nas entranhas do teu peito. De tão linda, perdeu-se. Gerou incômodo nas demais correspondências e fora jogada para fora. Descartada, por assim dizer, dos outros tantos envelopes não tão bonitos. Ou então, o rapaz esqueceu-se da tua morada, passou reto na tua rua sem saída e deixou de entregar a bendita. Pode ter parado para pensar, no pecado que seria, entregar de mão beijada tamanha sensibilidade. Ironias à parte, outra possibilidade. Vai que a carta deixou-se esquecer no fundo da mala. 

Sabendo ser a carta mais linda de todos os tempos, escondeu-se no tempo, e ficou marcada, num ponto qualquer da história. A carta que sumiu entre os dias xis e ipsilon. Quem a encontrou certamente morreu de amores. Imaginou-se em seu lugar e transportou-se para um reino de contos de fadas, onde só existem coisas lindas de se admirar, como a distância que nos separa. E que nos aproxima.

Penso nos olhares perdidos deste leitor, ou leitora. Deliciando-se com cada frase, um orgasmo literário para sujeito algum botar defeito. Não seria surpresa receber uma resposta, uma proposta, tampouco uma visita ou uma investida voraz. A carta mais linda encontrou-se em outras mãos, que não as tuas. Estas mesmas, que acariciaram meus cabelos há poucos instantes. Seu lacre fora rompido cuidadosamente por mãos alheias e isto parece-me um tanto intrigante.

Meus sentimentos detalhados com todo o cuidado, meus oitenta e poucos centavos, espalhados, por um canto desconhecido de qualquer lugar. Não há como negar, uma certa culpa pela negligência ao envio registrado. Monitorado, por computadores de última geração, meu conjunto de palavras-sonhos não perder-se-ia. Tanta tecnologia, para nada. Envelope lacrado, devidamente encaminhado, para as mãos de um entregador, vulgo carteiro.

Outro horizonte. De certo, ficarei atento. Daqui em diante, para com a próxima. Levarei flores à mulher do caixa. Acenarei com um sorriso ao segurança. Levarei dinheiro trocado. Aguardarei o tempo que for necessário na fila, assim como conversarei mais com os frequentadores locais,  possíveis remetentes de cartas tão importantes quanto as minhas. Porém, não tão lindas quanto as que escrevo a pensar em ti.

E aí é que está a beleza das mesmas.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Meu Paradeiro

Meu paradeiro é uma janela aberta, uma sacada convidativa e a eternidade de uma madrugada de sexta. Ou de sorte, como preferir. No céu, um punhado de estrelas. Nas ruas, um bocado de carros que cintilam artificialmente seus faróis coloridos. 

Meu paradeiro é uma antologia de contextos memoráveis. O colo dos meus pais, o carinho dos avós, os sorrisos dos amigos. Cada trago no cigarro de costume, os copos cheios, os copos vazios. Sem saideira, que hoje é dia de celebrar a delícia da vida!

Meu paradeiro são as ideias mais absurdas e os planos mais malsucedidos do universo. Tento, tento e sigo tentando. O paraíso reserva um lugar especial para os persistentes.

Meu paradeiro é onde Deus quiser. Assim penso, assim pratico. Não acredito em meios caminhos. Meu paradeiro é qualquer lugar, qualquer nova aventura, qualquer beira de estrada ou terra batida. Um guia nas mãos e a mochila nas costas. Vou que vou, cubro as apostas e finalmente chego.

Onde? Onde quer que você esteja. Meu, paradeiro meu.

Meu paradeiro são os teus olhos, teus braços, tuas pernas. Meu paradeiro é a tua boca, teu sexo, tua cama, coberta de amor. O gemido, ao pé do ouvido. As unhas, rasgando a carne. A gota, que escorre por entre os corpos suados. O calor dos embriagados, dos amantes sem qualquer vestígio de culpa.

Meu paradeiro é a manhã seguinte. 
E todas as manhãs subsequentes, às nossas infindáveis noites de amor e fúria.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Noites de Insônia

Vai lá, estou na minha, lutando contra a insônia. Estou na minha, aguardando um fechar de olhos teimoso que só. Espero ansiosamente por Morfeu e seus benditos braços,  espero pelos sonhos mais sugestivos e intrigantes de todos os tempos.

Vai lá, estou aqui, quietinha, debaixo de um edredom macio e confortável. Com minha cabeça apoiada junto ao travesseiro mais aconchegante já criado pela indústria do sono. Aquecida, bem como deve ser nessas noites de frio paulistano.

Quero dormir, quero acordar, porém penso no quanto será incrivelmente difícil sair daqui. Se tais noites são frias, as manhãs são ainda piores. Preguiça monstruosa. Prefiro não dormir, não quero mais fechar meus olhos, castanhos lindos.

Morfeu que se lasque, eu quero é um Earth, Wind & Fire turbinando as caixas de som. Sonhar para quê? Deixo isso para os que não serão capazes de me acompanhar.

Ay Ay Ay Aya... say do you remember!
Ay Ay Ay Aya... dancing in September!
Ay Ay Ay Aya... never was a cloudy day!

Puro lapso. O cansaço é intenso. September que nada, o negócio é Abril, mês do frio. Uma boa dose de um calmante qualquer cairia como uma luva. Por Deus! Tudo me faz recordar o clima, até parece existir uma necessidade meteorológica pré-sono acerca deste momento angustiante.

Rolo para um lado, rolo para o outro. Um garoto perdido me escreve inbox, parece querer estabelecer algum contato. Era só o que me faltava. Um sonâmbulo brincando nas redes sociais em plena madrugada...

Sei é que estou numa cilada. Sonâmbulo que nada!

O que o garoto quer é enviar suas mirabolantes ideias por correio. Ok, aceito a proposta. Que tal uma carta-cafuné ou algo que me deixe completamente entorpecida? Ele gosta.

E eu aguardo. Ele gosta e eu...

                                           ...zZzZzZzZzZzZz.