Quando eu era apenas um menino,
gostava de andar descalço e morria de medo de bicicletas. Sempre tive a
convicção de que cairia na primeira tentativa. Estava certo, não caí, somente. Estatelei-me
pelo chão de terra e guardei - para sempre na pele - a lembrança daquele feito
incrivelmente frustrante.
Não me recordo da primeira vez em
que finalmente consegui trilhar uma linha reta sem maiores acidentes. Sei
apenas que tal persistência surtiu longo e permanente efeito. Hoje em dia,
sempre que posso, sigo a caminhar descalço, mas não em falso, e ainda arrisco
algumas pedaladas pelas ruas da cidade histórica, mesmo sabendo do perigo das
pedras mal encaixadas.
Agora, a exatidão em relação às
primeiras linhas escritas é parte de um passado distante. Não posso dizer
quando foi que comecei a poetizar o dia a dia. Talvez por necessidade, afinal,
minha timidez é intrínseca - como que só pudesse fazê-lo por outra via que não
a oral - escrevi um bilhete para uma menina que jamais o respondeu. Experiência
muito menos traumatizante que os tombos da velha magrela, enfim, plenamente compreensível
e contornável.
Dali em diante, um restante de
histórias e mais histórias pra contar. Um bom punhado de sentimentos descritos
em versos e parágrafos intermináveis. Da menina linda dos olhos azuis à menina
linda dos cabelos castanhos. Das tantas andanças e mudanças, imprescindíveis.
Dos amores passados, aos amores presentes.
A vida é feita de encontros,
desencontros e reencontros, disse-me certa vez, aquela que invade meus
envelopes. Um longo percurso, inacreditavelmente surpreendente e repleto de
tudo um pouco; provavelmente impossível para a capacidade motora de um menino em seu veículo
de duas rodas, mas absolutamente factível para a eternidade de suas folhas em
branco.