Uma dose de cachaça. Uma não, duas. Duas não, três. Como já dizia o
meu fígado, melhor se empapuçar de uma vez. Quanto mais, melhor. Vou bebericando
devagar, não tenho pressa. Para um bêbado notívago como eu, goles curtos, são,
por essência, a alma do negócio.
Um bom jazz nas caixas de som. Incrível a capacidade desses quatro
caras com alguns bons instrumentos nas mãos. A batida me atinge, domina meus
sentidos e me chama pra dançar. Não digo que danço, por que sou daqueles que se
mexe de qualquer jeito. Gosto de balançar, por assim dizer.
Mais uma dose. É claro que estou afim. Tenho prazer em ficar de porre.
Não vejo mal algum em acordar sem ter idéia da porção exata de sangue que corre
em minha corrente alcoólica. Ou vice versa, vai muito do ponto de vista.
A noite pede um pouco mais de adrenalina. As ruas só não são perfeitas
porque carecem de trilha sonora constante. Prefiro o interior do
estabelecimento. Quente, escuro, repleto de gente desconhecida, pinga
envelhecida e boa música.
Endureço, me faço de difícil, mas, não resisto. Caminho pelo baixo
Augusta como que passeia por um parque de diversões. Não deixa de ser, e é esse
o xis da questão. Para os bons aventureiros, um cardápio ilimitado. Para um
reles transeunte, como eu, um neon atrás do outro. Letreiros de puteiros são
incrivelmente criativos.
Passo na porta de alguns, olho para o interior, tentando encontrar uma
espécie de amostra grátis. Grátis? Nem uma espiadela. Nesse mundo, qualquer
segundo vale muito. Sigo meu caminho pela madrugada.
São Paulo é grande. A noite é grande. É tudo tão grande quando se
percebe pequeno como um grão de areia. Fazer parte do contexto, estar nas
entrelinhas de destinos improváveis. Tudo pode acontecer. Tudo pode acontecer.
E enquanto não acontece, desce mais uma aí pra mim. Sim, sim. A
saideira. Difícil ver as coisas deste ângulo. Corpo rodando, cabeça levemente
inclinada para o lado. Melhor ir embora enquanto há tempo. Outro gole na
branquinha e fim de papo. Se quiser, deixo meu número anotado num guardanapo.