quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O Beijo

O garoto com as mãos cobertas de tinta fresca estava ali, compenetrado, com seus olhos de garoto mirrado, observando sem muito saber. Havia de estar cobrindo uma parede, ou alguma tela, com seus sonhos infantis e coloridos, mas acabou deixando tudo de lado para chegar um pouco mais perto.

O vendedor de doces estava ali, com sua carrocinha repleta de delícias e gostosuras, amparada por duas rodas de aros tortos e precariamente encaixados. Sem muita sofisticação, era apenas um vendedor de doces e sua carrocinha, ganhando a vida com muita dignidade e açúcar. Não julgo este pobre homem por lucrar diante de um punhado de outros seres absortos. A barriga ronca e o justo é o justo.

A senhora gorda, o lacaio descalço, a mocinha dos olhos fixos e firmes; eles também estavam ali. 

O advogado recém formado, suando bicas sob o escaldante sol do meio dia, trazendo uma porção de casos desgovernados em sua pasta, estava ali e negociava com o vendedor de doces um singelo desconto nos pedaços de bolo. Estava ali por acaso, prestes a iniciar o expediente, matando a fome junto à dignidade achocolatada.

Novamente, não procuro julgar de maneira alguma o vendedor de doces e sua carrocinha. É como vender guarda-chuvas ao cair das primeiras gotículas. Justo. Dá-se um jeito de fazer seu ganhapão adaptando-se ao contexto e isso é muito digno. Digno e justo.

O moço da banca de jornal, o fumante sentado, a criança inocente, junto de seus dois irmãozinhos e seus pais e talvez tios, a faxineira da vassoura de microgalhos de bambu, os dois entregadores de frutas e verduras da quitanda, os transeuntes desqualificados e sem qualquer referência, todos, de uma maneira lúdica ou não - para a imaginação do leitor - estavam exatamente ali.

Exatamente ali. Diante de nós.

Exatamente ali. Diante do beijo.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Zabriskie Point

Surto psicótico em Zabriskie Point
nem Bukowski, nem o bom Bukowski
seria capaz de compreender 
tamanha deselegância 

Um maço pela metade
porque o preço que se paga pelo vício 
é a preguiça impregnada 
e as bitucas;

Um filme de sacanagem tosco
com gemidos falsos, muito diferente 
de como aprendemos 
no jardim de infância

Tarde da noite em grande estilo;
Uma punheta psicodélica... para lavar a alma 
junto à fumaça...