Numa dessas tantas ruas perdidas
pelo emaranhado da cidade, existe uma casa. Uma casa construída muito antes de
eu pensar em nascer. Uma casa em meio à verticalidade dos prédios e construções
cada vez mais altas. Mas isso não vem ao caso, vou ater-me à velha casa e suas
janelas rústicas e suas portas rústicas e sua rusticidade inteiriça.
Essa é uma casa de chão sujo,
porcelana italiana gasta e imunda. Onde piso, onde caminho, onde trafego em
perfeita harmonia. Uma casa de chão sujo e paredes sujas. Descascadas pelo
tempo, pedaços de tinta que teimam não permanecer junto à estrutura. Uma casa
de chão sujo, paredes com camadas de tinta pendurada e goteiras no velho
telhado de telhas quebradas, por onde o sol raspa e adentra os mais variados
aposentos.
Aqui não me sinto sozinho. Esse é
um lugar ao qual posso chamar de lar. Como se cada centímetro desse imenso
quadrado me completasse de maneira singular. Como se a sacada do quarto fosse
uma espécie de trampolim para a eternidade. O que não escapa de ser, de fato.
Basta debruçar-me em seu parapeito para avistar a imensidão cósmica de uma noite
maravilhosamente estrelada.
Milhares de histórias, de um
bocado de gente diferente, ligadas apenas pela sua presença. Aqui, aprendi a
ser homem. Aqui aprendi a amar. Fora aqui que aprendi a esquecer e a perdoar.
Nessa boa e velha casa, aprendi a cozinhar, a escrever e a suspeitar, de coisas
que pudessem não ser tão incríveis do lado de fora, como eram em seu interior.
Aqui vivi boa parte da minha
vida. E daqui levarei lembranças para todo o resto dela. Percebo o olho brilhar
e se banhar de lágrimas a cada trecho deste texto. E sinto que estejam longe de
ser lágrimas vãs. Sei que mais uma etapa está se encerrando, e que meu tempo
aqui será cada vez mais curto. Bom saber que anos e mais anos de convivência
criaram um respeito mútuo e uma boa quantidade de lembranças inesquecíveis.
Textos infindáveis, fotografias diversas, muita coisa pra contar.
Grato por tudo, inverto o jogo e
faço dessa pequena folha de papel, seu trampolim, para uma eternidade gloriosa,
descrita por alguém que amou, acertou e errou diversas vezes sob seu olhar de
alvenaria. Quem diria, minha casinha, quem diria.