Sono interrompido, de ímpeto, por
uma imensa vontade de escrever. Sobre ela, sobre os lábios dela, sobre os olhos
dela, sobre a pele e os cabelos dela, sobre suas pernas, sobre seu corpo, sobre
a delícia de seus beijos, sobre seus abraços, sobre sua voz, sobre seus olhares
misteriosamente penetrantes...
E nada, nada mais é como antes. E
nada, nada mais faz sentido, exceto este deslize, esta falta de controle, este
despertar literário mais que bem-vindo. Uma coisa é levantar em plena madrugada
para falar de política, das dores do mundo, dos erros alheios, outra,
completamente diferente e incrivelmente prazerosa é levantar, em meio à
escuridão das três horas, para falar sobre ela.
Não temo represálias, não tenho
papas na língua. Falo o que penso e quando penso em falar, já disse. Ela sabe o
quanto cerceia meus pensamentos, sabe como se faz presente em meus sonhos, sabe
como e quanto a degusto, em goles absolutamente curtos. Ela sabe que ressaca de
amor não se cura com aspirina, ou melhor, ressaca de amor não se cura, e é
assim, desde que o amor descobriu-se sentimento.
Meu cigarro é cúmplice, de cada
bater de tecla, de cada nova ideia, e de todos os segundos gastos em frente à
tela deste computador. Tarde da noite, luzes apagadas, vizinhos dormindo,
cidade se preparando para dar início aos trabalhos costumeiros. E eu aqui,
escrevendo. Será que disso ela sabe? Se não tiver certeza, há de pelo menos
imaginar, pois boba eu sei que ela não é.
Não tenho facilidade para voltar
a dormir. E daí? Não estou nem aí para isso. Posso simplesmente passar o resto
do dia de pé, sabido que sonho com a sua pessoa ainda acordado. Olhos fechados
e pronto, estou diante de tudo aquilo que preciso, sem mais. A beleza de um
amor como este reside nas eternas possibilidades de uma imaginação fértil.
Lembranças boas. As melhores, das
pouquíssimas noites às quais nos amamos sob as estrelas. Amanhã é outro dia,
outro possível despertar, assim, de repente. Amanhã é hoje, posto que após
meia-noite se calcula outro dia.
O que houver de ser, será. Será?
Espero que sim. E também espero, presente do indicativo, ansiosamente, por um
pouco mais. Futuros deslizes, futuras lembranças, futuras noites estreladas,
para que o nada continue não sendo mais como antes, futuros sussurros, futuros
suspiros, futuros amantes.