quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Susto - Pt. II

                                                          SUSTO
                                               Parte II - A CONTINUAÇÃO DA CARALHA.



RUA - NOITE

Ciente do ocorrido no posto de saúde e atento às novas possibilidades de se tomar uma dedada de rabo sensacional, percorremos o caminho de volta prestando muita atenção. Nada poderia piorar um dia tão atípico, pra não dizer escroto.

Marlon: - Quê que foi isso cara? Quase me passaram a faca! Isso porque eu só queria um atestado! Imagina o que não teriam feito se eu realmente precisasse da cirurgia! Iriam arrancar fora o apêndice, o rim, o fígado, a porra toda!

Eu: - É cara, é foda. Mas bem que você poderia ter esperado um pouco mais, deixava lá a porcaria do apêndice.

(risos)

Eu: - Eu consegui meu atestado, porém, não por conta do que eu realmente tinha. Cheguei ao posto com a garganta inflamada e saí com uma obstrução das vias respiratórias, bronquite.

Marlon: - Pelo menos conseguiu o atestado.

Eu: - Sim. Mas não estava nos meus planos fazer aquela inalação. Agora tô andando todo torto, chapadão. Logo mais aparece um guardinha e me leva em cana.

Certos de que isso jamais ocorreria, “preso por praticar nebulização em posto de saúde”, prosseguimos com a caminhada. Do posto até a casa são alguns quarteirões. Alguns quarteirões a mais do que o suficiente pra deixar as pernas bambas.

Marlon: - Tá tocando o telefone. Pera aí um minutinho! Deixa eu atender.

Continuamos andando. Eu prestando atenção na rua e o Marlon levando um papo no celular. Não que eu seja intrometido, mas, não pude deixar de notar a conversa.

Marlon: - Oi! Tudo sim! Acabei de sair do posto de saúde. Tô legal cara, mas o susto foi foda.

(pausa)

Marlon: - Então, tô voltando pra casa com o Vicente.

(pausa)

Marlon: - Mas onde você está? Perto do metrô?

(pausa)

Marlon: - Sei onde é, espera aí na frente que a gente tá chegando. Acho que tem um bar na esquina de cima, encontramos você lá.

(pausa)

Marlon: - Abração cara! Tchau!

Ele encerrou a ligação e olhou para mim, dando risada. Eu não entendi a ironia e segui batendo perna.

Marlon: - Irmão! Vamos apertar o passo. O Pinta tá vindo encontrar a gente.

Eu: - O Pinta?

Marlon: - O Pinta. Liguei pra ele lá do posto.

O Pinta é um daqueles caras que não se pode julgar. Nem classificar. O Pinta é um cidadão contraditório. Tem esse apelido por conta de uma pinta do tamanho de um pinto, na altura do pescoço. Evangélico assumido, vive escondendo o jogo e diz que nunca fumou um baseado. Logo ele, tão mal cuidado, com as pontas dos dedos sempre amareladas.

BOTECO – NOITE

Chegamos no boteco supracitado, pedimos uma cerveja e apenas dois copos. O Pinta também não bebe. Não bebe, não fuma e também não deve foder, logo, reza todo dia, seja o dia santo ou não.

Pinta: - Poxa! Fiquei preocupado! Quer dizer então que quase te deram uma lambida?

Marlon: - Uma lambida? Tá me estranhando pôrra?

Pinta: - Lambida pô! Facada!

Marlon: - Hum! Pois é.

(risos)

Do lado do boteco, coincidentemente ou não, havia uma igreja. Na verdade, um prédio imenso, que só pode ser definido como tal por conta do letreiro gigantesco que havia em sua fachada. Se alguém me dissesse que aquilo era um shopping, eu acreditaria. Mas isso dificilmente sairia da boca do Pinta, que, ao invés de nos acolher em sua amizade e nos acompanhar pra casa, resolveu nos levar para conhecer o empreendimento.

Pinta: - Vocês já entraram na Universal?

Eu: - Eu nunca botei o pé dentro de uma igreja.

Marlon: - Na Universal não.

Pinta: - Maravilha! Venham comigo, quero que vocês conheçam! Vou pedir pro pastor fazer uma oração por vocês! Depois dessa que vocês passaram, vale a pena pedir pelo auxílio do Pai.

Eu: - Já estamos fodidos de qualquer jeito, então... vamos lá.

Chegando lá, me deparei logo de cara com uma barraca branca, daquelas de praia, por onde passavam vários carros em seqüência. Sem entender nada, segui andando, até dar de cara com uma placa, onde havia três círculos coloridos, imitando um semáforo, com as seguintes palavras sob cada um deles: PARE, ORE e SIGA.

Eu: - Que pôrra é essa Pinta?

Pinta: - É o drive-thru da oração! Vocês nunca viram? Passou até no jornal!

Marlon: - E que caralho é isso aí?

Pinta: - É o seguinte, você pára com o seu carro, abre a janela, recebe uma oração (sem ter que sair do carro), doa a quantia que achar justa e segue o seu caminho.

Eu: - Que putaria do cacete! (PENSEI)

Marlon: - Hum, que bacana! (Acredito muito que ele deve ter pensado o mesmo que eu, mas, por se tratar de um cidadão muito educado, o Marlon preferiu dizer tais palavras).

Pinta: - Venham! Vamos entrar!


IGREJA - AINDA DE NOITE

O saguão de entrada da Universal é maior que a minha casa. Só o saguão. Quando entramos e vimos o tamanho da bagaça, sinceramente, ficamos perplexos. Sei lá quantos metros quadrados. Metro quadrado pra caralho!

Pinta: - Pastor Evaldo! Trouxe alguns irmãos junto comigo, eles querem ouvir a palavra do Senhor!

Na hora, pensei em sair correndo, desmaiar, evocar o cramunhão, sei lá, mas não consegui fazer nada. Senti a mão pesada do pastor tocar a minha testa e quase peidei. Segurei firmemente enquanto ouvia o sermão e depois saí de canto, deixando a flatulência se manifestar.

Pinta: - Viu só? Não doeu nada! Essa passagem que o pastor Evaldo leu para vocês é uma das mais importantes da bíblia. Espero que tenha servido para lhes ajudar de alguma maneira.

Eu: - Sim. Se a intenção fosse a libertação dos meus gases tóxicos.  (PENSEI)

Marlon: - Com certeza ajudou Pinta! Eu não freqüento a igreja mas não tenho nada contra, muito bacana você ter nos trazido aqui. (Acredito, que ele tenha pensado em dizer outra coisa. Não sei se peidou também, mas, tenho lá minhas dúvidas quanto ao perfil “evangélico” do Marlon).

Pastor: - Olha! Está começando agora a Terapia do Amor, vocês não querem assistir? É muito interessante, afinal, todos procuram encontrar o verdadeiro amor, e aqui, esse sonho se realiza.

Eu: - Olha, tá ficando tarde, tenho prova amanhã, preciso ir andando.

Pinta: - Mas são oito horas! E amanhã é domingo! Ninguém faz prova no domingo! Vamos! Vocês vão gostar! Eu não me dei ao trabalho de sair de casa pra voltar sem ao menos ter assistido à Terapia do Amor! Vamos!

O Marlon olhou pra mim, eu olhei pro Marlon, e durante essa troca de olhares com certeza pensávamos na mesma coisa, já tínhamos ido longe demais! A idéia era passar o sábado em casa, sem dor de cabeça, sem loja, sem nada.

Marlon: - Eu tô sentindo muita dor na barriga! Preciso ir embora! Seu Evaldo, o senhor me desculpe, mas nós acabamos de sair do posto de saúde, estou com suspeita de apendicite, preciso ir embora.

Pastor: - Apendicite? Só um minuto! Vou fazer uma oração para que você saia dessa o mais rápido possível.

Feita a segunda oração, ainda no saguão de entrada da Universal, ouvimos mais algumas palavras do pastor e começamos a descer a escada.

Pastor: - Ei, tenho uma lembrança para dar a você! Pode levar, será muito útil, vai ajudar a iluminar o seu caminho!

O Marlon pegou a lembrança e finalmente partimos em direção à nossa casa. Chegamos um tanto frustrados. Ele com um DVD do Bispo Edir Macedo e eu com um dos atestados. Como vocês já sabem, o outro não foi liberado (mas o passeio de ambulância vai ficar pra sempre na memória).


FIM (Agora é pra valer!).


(para ler a primeira parte) http://tinyurl.com/7g56bgd