segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Dever Cívico

Dever Cívico


- Tem muita gente fazendo merda.

Sete horas da manhã. Este foi o horário que o meu organismo escolheu para despertar do sono.

- Tem gente fazendo muita merda!

Mal precisei sair da cama para começar a contar as horas novamente. Queria poder dormir um dia inteiro. Queria me ausentar de tudo e dormir por um mês. Queria dormir. O descanso é imprescindível na vida de alguém que tenha a obrigação de votar.

- E tem gente que nem precisa sair da cama pra fazer merda.

Outro dia ouvi um conto que insistia na idéia de que, ao sonhar que era uma galinha chocadeira, o cidadão, um cretino qualquer, cagou a cama inteira.

Mas esse argumento está fora de questão.

- Que porra! Esses filhos da puta não cumprem um terço do que prometem, carcam dinheiro na cueca e eu, como um verdadeiro imbecil, sou obrigado a levantar o rabo pra ir votar.

- Beleza.

Dito e feito. Tomei uma xícara e meia de café, comi um pedaço de pão integral, acendi um cigarro e parti. No bolso, o título e um documento com foto, itens necessários para a realização do ato de cidadania mais escroto do mundo.

- Só com o título não rola? – perguntei ao mesário, logo que cheguei à seção.

- Não. É necessário um documento com foto. Além do título de eleitor, é claro.

- Então o título não serve pra nada!

- Serve para identificar a sua zona eleitoral e a sua seção.

- Eu sei onde é que fica a minha zona e a minha seção, senão não estaria aqui meu amigo.

- Mas nós não. Você precisa se identificar.

- Toma aqui, meu título de eleitor.

- Só com o título não vou poder liberar.

- Então não vou votar. Não vou votar, não vou justificar, muito menos ir até a minha casa buscar a porra do documento com foto e voltar.

- Ok senhor. A decisão é sua.

- Você é muito pouco flexível. Toma aqui a minha carteira de motorista. Tem foto.

- Porque não me apresentou antes?

- Para testá-lo. Queria saber até que ponto você poderia ou não ser um cidadão corruptível.

(risos)

- Pode entrar.

- Obrigado!

Entrei e votei. Não levei nem dois minutos. Saí do colégio e fui tomar uma cerveja, num barzinho logo ao lado. Lá no fundo, bem no fundo, havia uma cadeira vazia, só me esperando. Sentei, pedi a geladinha, acomodei um filtro branco no canto da boca e fiquei aguardando.

- Pronto! Votei! – disse um rapaz ao balconista, antes de lhe pedir um café.

- Votou em quem? Tá difícil de votar esse ano! – retrucou o do balcão.

- Anulei! Pra falar a verdade, anulei todos. Só votei no Tiririca. Que figuraça! Você viu a propaganda eleitoral dele na tevê? Um sarro esse cara! Mas não me leve a mal, é uma forma de protestar contra essa mesmice!

- Entendi. Eu não anulei meus outros votos, mas também fiz questão de votar nele. De alguma forma precisamos nos manifestar!

Incrédulo, assisti a tudo aquilo tomando minha cerveja. Fui embora daquele lugar pensando em como os seres humanos são tão semelhantes e tão diferentes ao mesmo tempo e, o quanto a política brasileira pode ser surpreendente.

- Vão eleger um palhaço. – pensei.

Pensei e indaguei a respeito. Um palhaço na câmara dos deputados. Mais um palhaço escroto no meio de um monte de palhaços escrotos. Brasília é um verdadeiro circo. Fato. Um circo repleto de comediantes caríssimos e chulos, sustentados pelo bolso desse povo “bem de vida”.

Um circo obsceno, um círculo estúpido! Que não permite a utilização do humor, como ferramenta de crítica e livre expressão durante qualquer campanha partidária.

- Partidos? Partidos e repartidos ao meio! Só se for.

Um circo de merda! Que de maneira muito controversa, concede a um palhaço semi-analfabeto a liberdade de fazer suas palhaçadas onde bem entende, dando a este crápula, o direito de concorrer a um dos cargos mais relevantes da política pública desse país.

- O humorista que sacanear, tá fodido! Agora, quanto ao palhaço ser sustentado pelo povo, enquanto conta suas piadas no intervalo do plenário, ninguém faz ou fala qualquer coisa. Obsceno.

- Isso não tem fim.

Não tem nem nunca terá. Afinal, palhaço eleito por outros um milhão e meio de palhaços (ou a família do Tiririca é grande desse jeito?).

É assim mesmo. Voltei pra casa, depois de perder um dia inteiro. Não votei em palhaço, nem armei o picadeiro.

Que Deus tenha piedade de nós.