quarta-feira, 9 de março de 2016

O Perfume das Cores

Ou (O Envelope).

O suor escorre pelo corpo, tenso e concentrado. Há pelo menos duas horas ele procura finalizar, de maneira épica, seu último escrito. Uma demonstração de carinho em forma de palavras, frases e parágrafos. Nada muito incomum à rotina de um escritor. O cinzeiro abarrotado de bitucas é cúmplice de tamanho emprego energético. Dá-se pouca importância para o ato de escrever. Para muitos, pode parecer algo tão simples como lavar uma pilha de louças. Não, não é.

O suor escorre pelo corpo, tenso e concentrado. Dentro de alguns instantes ela entrará em cena. Depois de anos e anos de dedicação, seu momento finalmente chegou. Protagonista de uma peça prestes a entrar em cartaz, ela ensaia pela centésima vez seus movimentos, repassa fala por fala em sua cabeça. Geniosa, procura guardar cada deixa e cada marcação feita com fita crepe no tablado. Parece pouco complicado, decorar falas e sair por aí gesticulando. Não é.

Mesmo convivendo com elogios diversos e contundentes sobre seu trabalho, o garoto em questão não faz questão nenhuma de holofotes. Pensa que isso é coisa para aqueles que realmente sabem conduzir a língua e tirar uma porção de letras para flutuar, na brisa leve de um conto ou de um poema. Seu negócio mesmo é lidar com aleatoriedades, observações corriqueiras do mundo que o cerca. Simplicidade, verdade e publicações sempre ocasionais. 

Mesmo convivendo com diversas personas, umas assim, outras assado, a garota em questão não faz questão de levar nenhuma delas para casa. Ela sabe diferenciar a profissão da realidade e não se faz passar por alguém que realmente não é. Sua vocação não passa por mera encenação. Seu coração, que mal cabe dentro do peito, a desafia para uma atuação irretocável não somente nos palcos ou defronte às câmeras. Enquanto os outros somente ensaiam, ela vive.

Ele aqui, perambulando pela cidade das ruas mal iluminadas. Ela lá, em qualquer lugar da vasta metrópole. Separados por infindáveis quilômetros, vivendo em paralelo. Felizes à sua maneira, confabulam sonhos, amor e intenções que poderiam deixar o leitor de queixo caído. Inalcançáveis? Inseparáveis! Suas palavras engolem a madrugada, devoram a mesmice do dia-a-dia e perseveram, desde a simples postagem, ao carimbo do carteiro. Como Anton e Olga, ou como tantos outros por aí...

- Assine aqui, por favor.

-Onde?

- Aqui, abaixo do seu nome.

- Hum, ok! Obrigado.

- Obrigado! Tenha um bom dia.

- Terei meu querido! Terei!